domingo, novembro 30, 2008

A violência nas crianças e jovens - parte II

No post anterior constatamos que a violência contra crianças e adolescentes não é um facto recente, pois em longos e diversificados períodos da história foi uma prática habitual, justificada e aceite pelas diferentes sociedades.

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Nos séculos XVII-XVIII foi instalada em algumas localidades a Roda da Santa Casa. Exemplo disso foi a Roda de Torre de Moncorvo, onde se expunham os meninos "enjeitados", desde bebés até cerca de quatro anos, a qual tinha como objectivo evitar que as crianças fossem devoradas pelos cães, após o seu abandono, pelos familiares.
A Roda era um cilindro oco de madeira que girava em torno do próprio eixo e tinha uma abertura, onde eram colocadas as crianças. A mãe que desejava abandonar o filho batia na madeira e girava, avisando ao porteiro da Santa Casa que, do lado de dentro, recolhia o abandonado.
Quando accionado o mecanismo da roda, os depositantes dos "enjeitados" não eram mais vistos pelos funcionários, mantendo o anonimato exigido na altura, em que os preconceitos e a discriminação abundavam.

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A partir do século XIX, começaram a surgir textos médicos sobre a violência praticada contra as crianças.
Em França, no ano de 1860, foi escrito o primeiro trabalho pelo Prof.º Ambroise Tardieu, pioneiro na utilização do termo “criança espancada”. Neste trabalho, são analisadas as mortes de 18 crianças com idade inferior a cinco anos, cujas lesões e morte eram incompatíveis com as explicações fornecidas pelos pais.

A preocupação com o abuso infantil começou nos Estados Unidos em 1874, com o caso de Mary Ellen Wilson, abandonada pela mãe. Com a morte do pai na Guerra Civil, ficou sob os cuidados da madrasta e do marido, que a maltratavam fisicamente e a negligenciavam. Como não havia, na época, nenhuma entidade que defendesse os direitos das crianças, Mary Ellen foi protegida pela Sociedade Norte Americana para Prevenir a Crueldade contra os Animais, com base no pressuposto que, como criança, fazia parte do reino animal.

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Em 1946, nos Estados Unidos, Caffey, outro médico, publicou observações de seis crianças com hematoma subdural e alterações radiológicas de ossos longos, dois tipos de lesões sem relação clínica ou patológica. Por outro lado, em 1953, Silverman, um médico radiologista, realizou um estudo retrospectivo acerca de crianças com quadros clínicos semelhantes aos de Caffey e concluiu que as lesões eram causadas por traumatismos provocados por alguém.


A partir de 1961 deu-se um grande avanço em relação à violência contra crianças e adolescentes, quando Henry Kempe descreveu a Síndrome da Criança Espancada, reconhecida pela Academia Americana de Pediatria.
Para Kempe, este síndrome ocorria em crianças com baixa idade, apresentando graves ferimentos em épocas diferentes, e explicações discordantes ou inadequadas fornecidas pelos pais, sendo o diagnóstico baseado em aspectos clínicos e radiológicos.

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Após os anos 60, com a publicação da Declaração dos direitos da criança, a área da saúde começou a preocupar-se com a violência contra crianças e adolescentes, sobretudo a área de Pediatria, que passou a tratá-la como um problema de saúde, porque a
violência que se pratica contra as crianças e adolescentes é um grave problema de saúde, que deve ser identificado e abordado por profissionais que actuam na área educativa e da saúde.

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Infelizmente actos como o infanticídio, abandono em instituições (creches, hospitais e até na sua própria casa), escravidão, exploração do trabalho infantil e mutilação de membros para causar compaixão e facilitar a mendicidade são ainda notícia de jornal neste mundo que se diz globalizado.

...Continua ...

sexta-feira, novembro 07, 2008

A violência nas crianças e jovens - parte I

O registo da violência sobre as crianças e os adolescentes acompanha a trajectória humana desde tempos imemoráveis, através de inumeráveis formas pelas quais se foi expressando, adaptando-se às especificidades culturais, socioconómicas e históricas do momento vivenciado.

Fazendo uma breve retrospectiva histórica descobrimos que nas sociedades antigas aceitava-se a prática do infanticídio sendo facultado, nesses tempos, aos pais a oportunidade de aceitar ou renegar o seu filho recém-nascido, condenando-o à morte e que segundo o Talmud ( livro sagrado escrito pelos antigos hebreus) o pai tinha direito sobre a vida e morte de seus filhos, até a criação de um conselho de anciãos para julgar cada caso individualmente.
Para uma criança hebréia, por exemplo, a disciplina era primordial. Uma lei do século XIII a.C. instruía os pais sobre como castigar filhos desobedientes e rebeldes e, quando estes tinham dificuldade na realização desta tarefa, um conselho de idosos era solicitado para lidar com o filho problema, podendo esse conselho apoiar o pai a punir e apedrejar o filho até à morte.

Na civilização greco-romana o pai poderia sacrificar o filho recém-nascido caso julgasse que o bebê fosse um problema para a família. Os bebés assassinados com mais frequência eram os do sexo feminino, os prematuros e os que apresentavam sinais de alguma deficiência física.
Condenar à morte crianças portadoras de deficiências ou malformações era prática muito comum nestas civilizações, porque se acreditava que estas crianças não seriam socialmente úteis, estando assim justificada a sua eliminação.
Além disso, a miséria era uma das principais causas de morte de crianças (ou até jovens, o mais raro), estimulando o infanticídio, por falta de alimento.

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Era frequente, quando uma criança nascia portadora de alguma deficiência, ser sacrificada numa oferenda aos deuses. As crianças do sexo feminino, mesmo na Roma dos Césares, eram lançadas nas vias públicas, onde cresciam, se é que isso fosse possível, e aí passavam a ser prostitutas (Veyne, 1992).

Em algumas tribos bárbaras, a prática do infanticídio era aceite para regular a oferta de comida à população. Eliminando-se as crianças, diminuía-se a população, gerando-se assim um pseudo-controle administrativo por parte dos governantes.

Nos momentos de escassez alimentar do povo hebreu, a alternativa de comer os filhos mais novos é mencionada: “Dá cá o teu filho para que hoje o comamos, e amanhã comeremos o meu filho. Cozemos pois, o meu filho, e o comemos” (II Reis 6:26-29).

Entre outros povos como os fenícios e filisteus e mais recentemente entre tribos da África Central, crianças eram sacrificadas em rituais de purificação.

Com o passar dos tempos estes comportamentos começaram, paulatinamente, a suscitar sanções vindas da sociedade, que "não viam com bom olhos" estas práticas, demonstrando uma crescente consciencialização do direito das crianças
à vida.
Após influência egípcia e babilônica, os hebreus passaram a punir o infanticídio com pena de morte.

O relato de Herodes, rei dos judeus, ilustra a prática generalizada da violência sobre e contra as crianças. Avisado que Jesus se tornaria o rei dos judeus, Herodes decidiu matá-lo. Como não sabia onde encontrá-lo, decretou a morte de todos os meninos com menos de dois anos de idade em Belém, levando José e Maria a fugirem com Jesus para o Egipto.


Entre os séculos I e V D.C., a Igreja Cristã passou a ter maior influência sobre os costumes e comportamentos. Nesta época teve início o reconhecimento do potencial de desenvolvimento das crianças, que passaram a fazer parte da vida familiar. Além disso, a Igreja ressaltou a importância da mãe na criação dos filhos e desestimulou a prática de graves castigos físicos.


Em 374 d.C., na Itália, considerava-se o infanticídio pecado capital, porém fora da alçada política.

http://diario.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/180936/235

No ano de 830 d.C., uma mulher que matasse um recém-nascido ou tentasse abortar deveria ser excomungada, mas os sacerdotes podiam reduzir o
castigo na prática e impor penitência por uma década.

Contudo, actualmente nalgumas localidades da China ainda se assiste a um elevado índice de infanticídio feminino. Neste país ainda é prática cometer aborto quando o feto é do sexo feminino, o que tem contribuiudo para gerar um desequilíbrio entre os sexos na população do país.
Existem localidades onde dar à luz mais uma rapariga é considerado um desastre e é comum o infanticídio de bebés do sexo feminino. Esse mal desapareceu ou diminuiu enormemente depois da revolução de nova democracia de 1949 mas deflagrou novamente na China nas duas últimas décadas.